VICTOR LACOMBE E DANIELA ARCANJO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Dois dos mais importantes aliados europeus de Israel, a França e a Alemanha, subiram o tom contra o aliado histórico nesta sexta-feira (30) em razão da guerra conduzida por Tel Aviv na Faixa de Gaza. O conflito já dura um ano e meio e matou mais de 54 mil palestinos, criando grave crise humanitária no território.
O presidente da França, Emmanuel Macron, disse que se o bloqueio à ajuda humanitária feito por Israel contra Gaza se mantiver, Paris pode endurecer sua posição em relação a Tel Aviv. O governo francês se prepara para reconhecer o Estado palestino -embora a medida já tenha sido adotada por outros europeus, como Espanha e Irlanda, a França seria o primeiro país do G7 a fazê-lo.
A imprensa sa relata que Paris trabalha para convencer o Reino Unido, a Bélgica e a Holanda a tomar o o junto com a França. Antes do conflito atual, o consenso na Europa ocidental era de que a Palestina só seria reconhecida ao fim de um processo de paz, com a conclusão da solução de dois Estados. Países da América Latina, como o Brasil, reconhecem a Palestina há cerca de quinze anos, e os países árabes, há décadas.
Nesta sexta, Macron afirmou que pode impor sanções contra colonos judeus na Cisjordânia -o governo de Binyamin Netanyahu anunciou na quinta-feira (29) a maior expansão de assentamentos no território palestino em décadas. Esses assentamentos são ilegais aos olhos da lei internacional e da grande maioria dos países do mundo. Recentemente o ministro da Defesa do país, Israel Katz, prometeu construir um “Estado judeu israelense” no território palestino ocupado.
“O bloqueio humanitário está criando uma situação insustentável em solo”, disse o presidente francês em uma entrevista coletiva em Singapura ao lado do primeiro-ministro do país asiático, Lawrence Wong. “Se abandonarmos Gaza, se considerarmos que há um salvo-conduto para Israel -embora condenemos os ataques terroristas-, perderemos nossa credibilidade”.
“Se não houver uma resposta que atenda à situação humanitária nas próximas horas e dias, obviamente, teremos que endurecer nossa posição coletiva”, disse, referindo-se a outros países europeus. “Mas ainda espero que o governo de Israel mude de posição e que finalmente tenhamos uma resposta humanitária.”
O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, por sua vez, disse na sexta que vai reavaliar a exportação de armas para Israel -Berlim é um dos principais apoiadores militares de Tel Aviv depois de Washington.
Em entrevista ao jornal Süddeutsche Zeitung, o conservador Johann Wadephul disse não descartar uma suspensão completa do envio de equipamento militar “caso uma análise conclua que o que acontece hoje em Gaza não está de acordo com o direito internacional”.
Apesar da retórica suave, a medida representa uma mudança significativa de postura de Berlim, que classifica a existência e defesa de um Estado judeu de uma “razão de Estado”. Essa posição é articulada por governos alemães há décadas como parte da responsabilidade histórica do país com o povo judeu depois do Holocausto, cometido pela Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
Dessa forma, a possibilidade de suspensão do envio de armas seria um dos mais claros sinais de distanciamento entre Berlim e Tel Aviv em décadas. Recentemente, o primeiro-ministro alemão, Friedrich Merz, disse não entender “com que objetivo” Israel conduz sua operação militar em Gaza: “é uma tragédia humanitária e uma catástrofe política”, afirmou.
Entre março e maio, a população de Gaza foi submetida a um bloqueio total de ajuda imposto por Israel, o que deixou a situação humanitária no território insustentável, segundo organizações que atuam no local. Após 11 semanas e sob intensa pressão internacional, Tel Aviv suspendeu a medida no começo do mês, mas apenas parcialmente.
O território palestino está devastado e enfrenta escassez de água, comida, combustível e medicamentos após quase 20 meses de bombardeios. Segundo projeção da Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC), iniciativa apoiada pela ONU, 100% da população de 2,1 milhões de pessoas no território está em risco de insegurança alimentar, e 470 mil está em “níveis catastróficos” de fome.
Há ainda falta de insumos aos 18 dos 36 hospitais do território que estão parcialmente funcionando. Na semana ada, a OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmou que o sistema de saúde de Gaza estava em um ponto crítico, e que 94% de todos os hospitais estavam danificados ou destruídos.
Para o Ministério das Relações Exteriores de Israel, porém, a afirmação de que houve um bloqueio humanitário em Gaza é “uma mentira descarada”. O ministério afirmou que quase 900 caminhões de ajuda humanitária entraram na Faixa de Gaza desde que o bloqueio foi flexibilizado e defendeu o controverso sistema de distribuição de alimentos criado recentemente e apoiado pelos EUA.
“Mas, em vez de pressionar os terroristas jihadistas, Macron quer recompensá-los com um Estado palestino”, afirmou a pasta ao acusar Paris de empreender uma “cruzada contra Estado judeu” -uma afirmação carregada de simbolismo devido à perseguição histórica de judeus na França.