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Ciência da Psicologia
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O que a psicologia tem a ver com a descriminalização da maconha?

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

17/07/2024 19h19

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Uso da maconha para fins medicinais. Crédito: Banco de Imagens

Como neuropsicólogo, sou totalmente desfavorável ao uso da maconha. Já em relação a sua descriminalização, considero uma decisão equivocada e sem fundamento científico. Contudo, o tema merece um debate mais aprofundado, considerando as diversas variáveis envolvidas. Não podemos, como psicólogos e conhecedores dos efeitos da cannabis, simplesmente, aceitar aceitar ivamente as decisões do Superior Tribunal Federal sem respaldo científico.

Antes de entrarmos nesse debate, vamos entender um pouco a história da cannabis.

A história da maconha é longa e diversa, remontando a milhares de anos. A planta Cannabis Sativa, da qual a maconha é derivada, tem sido cultivada desde os tempos antigos, possivelmente há mais de dez mil anos.

Na China antiga, a maconha era usada tanto para fins medicinais quanto industriais. Registros datam de cerca de quatro mil anos atrás, com menções ao uso de sementes de cânhamo na medicina tradicional chinesa.

Na Índia, a maconha também tem uma longa trajetória de uso medicinal e espiritual. Textos antigos, como o Atharva Veda, mencionam a planta, e ela é frequentemente associada a práticas religiosas e rituais.

Durante a Idade Média, o uso de cânhamo se espalhou pela Europa, onde era principalmente utilizado para fabricar fibras e tecidos. Os colonizadores europeus levaram o cânhamo para o Novo Mundo, e ele foi cultivado extensivamente.

No início do século XX, o uso recreativo da maconha começou a ganhar popularidade, especialmente nos Estados Unidos. No entanto, durante a década de mil 1.930, uma campanha contra levou a sua proibição em muitos países.

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Nos últimos anos, há um movimento crescente pela legalização da planta para fins medicinais e recreativo, com vários países e estados adotando leis mais liberais nesse sentido.

É a partir desse ponto que acredito que devemos iniciar o debate. Compreendo que uma das prerrogativas para a descriminalização da maconha esteja relacionada ao preconceito e à superlotação do nosso sistema carcerário.

Entretanto, ao tomar essa decisão, o Supremo Tribunal Federal não considerou alguns aspectos como, por exemplo, o ciclo do trafico, que para funcionar adequadamente precisa do usuário. Agora, ele poderá portar legalmente até 40g de cannabis e assim continuará alimentando uma série de crimes associados à venda da planta.

Um dos pontos que defendo não é a prisão do usuário e sim a adoção de medidas ligadas à toda uma política de redução de risco, Afinal, sabemos que a maconha pode ter tanto efeitos benéficos quanto prejudiciais à saúde, e o impacto, geralmente, depende de como ela é usada, da frequência de utilização e da fisiologia única de cada indivíduo.

Alguns dos potenciais malefícios incluem prejuízo à memória de curto prazo, julgamento alterado e problemas de coordenação, o que pode aumentar o risco de acidentes. O uso pesado ou prolongado, especialmente se iniciado em uma idade jovem (menor que 25 anos, em média) pode afetar o desenvolvimento cerebral e a saúde mental, levando à ansiedade, depressão ou dependência.

Por outro lado, a maconha, ou melhor, um de seus componentes, tem demonstrado benefícios terapêuticos para certas condições médicas, como dor crônica, epilepsia e alguns sintomas da esclerose múltipla.

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Uso da maconha para fins medicinais. Crédito: Banco de Imagens

Um ponto de comparação é a direção sob efeito do álcool, tratada como infração istrativa pela legislação brasileira (Código de Trânsito Brasileiro – CTB) e que prevê, em seu Artigo 165, multa gravíssima no caso de dirigir sob influência de psicoativos no valor de R$ 2.973,00 e 7 pontos na CNH, além da suspensão do direito de dirigir por 12 meses e o recolhimento da CNH. Mas qual seria a equivalência de 40g de cannabis em relação a copos de cerveja?

Entender essa equivalência é complicado devido às diferenças na forma como o corpo processa maconha e álcool. A maconha e o álcool afetam o sistema nervoso central de maneiras diferentes, e suas potências e durações de efeitos também variam.

Para tentar uma comparação aproximada, podemos considerar alguns fatores. Por exemplo, uma dose de maconha contendo cerca de 10mg de THC pode ter efeitos intoxicantes semelhantes a uma dose de álcool (um copo de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose de destilado). No entanto, 40g de maconha, dependendo da potência, podem conter uma quantidade muito variável de THC.

Vamos fazer uma suposição: se considerarmos uma maconha com 15% de THC, 40g de maconha teriam cerca de 6000 mg (ou 6 gramas) de THC. Dividindo isso em doses de 10mg, teríamos 600 doses equivalentes a copos de cerveja.

Isso é uma simplificação grosseira, eu sei, e não leva em conta muitos fatores importantes, como a maneira de consumo (fumada, vaporizada, ingerida), a tolerância individual, e a resposta fisiológica de cada pessoa. Além disso, os efeitos de uma quantidade tão grande de THC seriam extremamente intensos e perigosos.

Diante disso, não seria mais prudente que o Supremo Tribunal Federal consultasse especialistas e depois, com dados a respeito do tema, analisasse os dados científicos em relação aos benefícios e riscos ligados ao uso da cannabis antes de tomar decisões?

E, mesmo sendo contra o uso da cannbis, não posso deixar de pensar que uma decisão tomada com base em dados científicos poderia favorecer, inclusive, a liberação da maconha, o que geraria não só impostos, mas controle de qualidade e segurança aos usuários, que seriam acompanhados a fim de evitar maiores consequências ao sistema de saúde, além, é claro, de contribuir para a redução do tráfico, o que certamente reduziria a taxa criminal.

Para se ter uma ideia do que estou falando, uma pesquisa publicada no The Economic Journal apontou uma diminuição de 12,5% nos crimes, como roubos e assassinatos, em condados próximos à divisa após a introdução das novas regras em relação à maconha.

Em contrapartida, o Centro Europeu de Monitoramento de Drogas e Dependência de Drogas (EMCDDA), considerado por muito tempo a autoridade em estatísticas de drogas na Europa, compilou dados mostrando um aumento nas taxas de prevalência para o uso de várias drogas, como maconha, cocaína, anfetaminas, ecstasy e LSD, entre 2001 e 2011 em Portugal.

Uma pesquisa do European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs (ESPAD) para adolescentes de 15 e 16 anos também mostrou um aumento global na prevalência de maconha de 1999 a 2011, embora tenha havido uma queda inicial nas taxas de uso.

Assim, podemos, ao menos, inferir que não haverá diminuição no consumo, porém os demais prejuízos ligados ao uso não legalizado, como crimes, por exemplo, já apresentam evidências de redução.

A pergunta que fica é: a quem interessa a manutenção da ilegalidade?

Até a próxima…

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