Nos últimos tempos, têm circulado nas redes sociais vídeos de pessoas entrando em universidades públicas para filmar atos de vandalismo que alguns chamam de arte. Paralelamente a isso, o Brasil voltou a testemunhar episódios de violência política que têm despertado a preocupação de especialistas em comportamento social. Em um cenário cada vez mais polarizado, os confrontos entre militantes de espectros ideológicos distintos — especialmente entre setores da esquerda e da direita — evidenciam um pano de fundo psicológico que vai muito além das manchetes.
Sob a ótica da psicologia social, dois conceitos são fundamentais para compreender esse tipo de comportamento: ancoragem cognitiva e dissonância cognitiva.
Ancoragem cognitiva: o ponto de partida ideológico
A ancoragem é um viés cognitivo que ocorre quando uma pessoa utiliza um ponto de referência — a chamada âncora — para orientar suas decisões, mesmo que esse ponto inicial seja arbitrário ou carregado de emoção. No campo político, essa âncora pode ser uma narrativa ideológica, a figura de um líder carismático ou um conjunto de valores assumidos como verdades absolutas.
Nesse contexto, militantes politicamente engajados tendem a interpretar fatos e comportamentos a partir de suas âncoras ideológicas. Um militante de esquerda que enxerga a direita como antidemocrática pode interpretar ações pacíficas dessa mesma direita como ameaças veladas. Esse viés prejudica a escuta e favorece a radicalização.
Dissonância cognitiva: o conflito entre valores e atitudes
A dissonância cognitiva, conceito desenvolvido por Leon Festinger em 1957, refere-se ao desconforto psíquico gerado quando crenças, atitudes e comportamentos entram em contradição. Militantes que defendem a paz, a democracia e os direitos humanos — como frequentemente ocorre na esquerda tradicional — experimentam dissonância quando apoiam ou se envolvem em atos de violência. Para justificar esse paradoxo, muitas vezes recorrem a racionalizações como: “estamos combatendo o fascismo”.
Esse tipo de justificativa preserva a autoimagem de coerência e reforça a identidade do grupo. O mesmo se aplica a setores da direita que se dizem defensores da liberdade de expressão, mas, ao mesmo tempo, atacam adversários em manifestações.
Bolhas cognitivas e a escalada da intolerância
A radicalização não surge do nada. As redes sociais têm papel central na construção das chamadas bolhas cognitivas, ambientes digitais onde as informações circulam de forma enviesada, reforçando as âncoras ideológicas e reduzindo o contato com opiniões divergentes. A constante repetição de conteúdos validados pelo grupo alimenta a certeza moral e transforma o oponente político em inimigo existencial.
Essa lógica simbólica de transformar o “outro” em ameaça legítima, na mente de muitos militantes, justifica a violência como forma de autodefesa ou resistência. É um ciclo que retroalimenta a hostilidade e mina o debate público.
As consequências psicológicas desse processo são profundas: aumento da ansiedade, sentimento de ameaça constante, empobrecimento do diálogo e desumanização do adversário. O Brasil vive, hoje, uma disputa política que se assemelha a um campo de batalha — com efeitos diretos na saúde mental da população.
Reconstruindo pontes
Do ponto de vista terapêutico e psicoeducacional, é urgente fomentar ações que desenvolvam empatia, pensamento crítico e a capacidade de lidar com a ambiguidade. Campanhas educativas, espaços de escuta intergrupal e formações voltadas à valorização do pluralismo podem ser caminhos para restaurar a convivência democrática.
Enquanto a violência for legitimada por âncoras ideológicas e dissonâncias não elaboradas, continuaremos distantes de uma cultura democrática madura. Compreender os mecanismos psicológicos da intolerância é o primeiro o para reconstruir as pontes do diálogo. O verdadeiro inimigo não é o outro lado, mas a incapacidade de escutar o que é diferente.
Até a próxima.